Em clima eleitoral, Congresso aprova ‘bomba fiscal’, com aumento do piso nacional para enfermagem e agentes comunitário de saúde, que impactam diretamente no orçamento da União, estados e municípios
Em clima eleitoral, o Congresso Nacional pisou no acelerador das bondades e aprovou, com apoio da base do governo, uma bomba fiscal, dado seu potencial impacto bilionário nas contas de União, estados e municípios.
Em um único dia, a Câmara aprovou um piso salarial de R$ 4.750 para o setor de enfermagem — que também aumenta para R$ 3.325 o piso de técnicos de enfermagem e R$ 2.375 para auxiliares de enfermagem e parteiras —, enquanto o Senado aprovou uma proposta que estabelece remuneração mínima de dois salários mínimos (ou seja, R$ 2.424) a agentes comunitários de saúde.
O projeto já havia sido aprovado pelo Senado em novembro de 2021. Na votação desta quarta-feira, o plenário da Câmara estava lotado de enfermeiros, que pressionavam para aprovação célere da proposta. Conforme o texto, os pisos serão atualizados anualmente com base na inflação calculada pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). O piso salarial entrará em vigor imediatamente após sanção presidencial e publicação, sendo assegurada a manutenção das remunerações e salários vigentes superiores ao piso.
Agora, os parlamentares discutem, ainda no clima eleitoral, outras iniciativas com impacto para as contas públicas, como a renegociação para devedores da União e até a retirada do Auxílio Brasil do teto de gastos.
Apesar de digno o aumento do piso salarial, a briga agora é para decidir quem pagará a conta.
De acordo com documento apresentado pelo grupo de trabalho que analisou o projeto, o Ministério da Saúde prevê que o impacto total será de R$ 22,5 bilhões, sendo R$ 14 bilhões no setor público e R$ 8 bilhões no setor privado.
Já o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) apontam um impacto total de R$ 26,5 bilhões para profissionais do setor público e prestador de serviços do Sistema Único de Saúde (SUS), nos estados, municípios e no Distrito Federal. Segundo as organizações, há riscos de ultrapassar os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) para despesa de pessoal.
Estimativas do setor, por sua vez, apontam impacto total menor, de R$ 16,3 bilhões para bancar o piso de enfermagem. Seja qual for o custo, parte dele recai sobre os cofres de estados e municípios — que, por sua vez, querem apoio federal para bancar a fatura adicional. No setor privado, o temor é de aumento no número de demissões.
Outros R$ 3,7 bilhões seriam necessários para arcar com o piso para agentes comunitários de saúde, mas a própria emenda jogou a fatura para o colo da União. Por se tratar de PEC (proposta de emenda à Constituição), o texto não é submetido ao crivo do presidente da República e já foi promulgada pelo Congresso.
Já o piso dos enfermeiros será alvo de recomendação de veto pelo Ministério da Economia.
Há diversas ideias para destinar recursos de royalties de petróleo, dividendos de estatais ou verbas paradas em fundos do governo, além das receitas vindas de eventual liberação de jogos de azar —já aprovada na Câmara. No entanto, nenhuma das soluções soluciona o obstáculo imposto pelo teto de gastos, totalmente ocupado pelas despesas do governo federal.
Até o início da votação, que ocorreu na quarta-feira, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), disse que ainda não havia uma fonte de custeio para a medida e que esperava que até o fim da votação fosse encontrada uma “solução”.
“Nós [governo] queremos votar o projeto, mas queremos entregar no contracheque dos enfermeiros o valor. Então espero que até o final desta votação nós encontremos uma solução que viabilize a fonte para esses recursos, para que todos saiam daqui com a certeza de que de fato foi uma vitória”, disse Barros.
Técnicos do Ministério da Economia e especialistas de fora do governo alertam, porém, que boa parte da elevação de receitas é conjuntural, impulsionada pelo aumento no valor das commodities (incluindo petróleo) e pela inflação mais elevada.
Nesse contexto, eles são categóricos em afirmar que não há melhora estrutural nas contas dos estados que dê margem ao aumento significativo dos gastos.
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